Erico Vasconcelos [1] Diretor-Fundador da UniverSaúde
Falo do alto dos meus 44 anos, um privilegiado por ter conquistado uma família linda, pai de 2 filhos, de alguém que testemunhou o antes e o depois da internet e que observou como dentista a desigualdade social marcada pela miséria no Nordeste do Brasil. Que verificou também como dentista a desigualdade social marcada pela má distribuição de renda e pela marginalidade e violência na zona norte e sudeste de São Paulo, que já foi agente político atuando como Secretário de Saúde de governos municipais, que já esteve em diversas organizações do Terceiro Setor e pelo país afora como técnico do Ministério da Saúde e que atua hoje como Professor em cursos de graduação e pós-graduação da área da Saúde e como Empreendedor.
Faço o estilo moderado, transparente e sem queda político-partidária pra qualquer lado ainda. Minha fala aqui vem do coração mesmo, sem amarras ou quaisquer interesses velados. Defendo nossa Nação, a democracia e o Sistema Único de Saúde (SUS). Sou fiel aos meus valores e coloco-os em prática no que falo e faço a luz do legado que tenho a responsabilidade de deixar às gerações que não me pediram pra nascer.
Arriscaria dizer a essa altura do campeonato que nosso sentimento seja bastante parecido. Faz um mês do primeiro caso de Coronavírus no Brasil. Acabamos de passar dos 2.200 casos confirmados com 46 mortes. Os Governos estaduais e municipais, um tanto alinhados até, recomendaram o distanciamento social inicialmente, depois o isolamento físico e assim estamos há praticamente dez dias. Desde 23/03/2020 em quarentena, somente com o comércio essencial aberto e policiamento reforçado.
Há anos vimos um tanto desencontrados e desconcertados como sociedade, vamos combinar. Pra dizer o mínimo. A polarização política que minha geração viu se acirrando na primeira década de 2000 deixou cicatrizes sociais relevantes, bem como as iniciativas recentes de combate à corrupção, que reverberam até os dias atuais. Haveria muito o que discorrer aqui, mas quero focar no “chacoalhão”. Foi o que surgiu de tema no café de manhã reflexivo e “animado” aqui de casa hoje.
O COVID-19 veio como um “chacoalhão” em cada um de nós deste Brasil de agora. Todos nós mesmos, enfatizo. E chegou tipo chegando e sem “combinar com os Russos”. De uma semana pra outra. De repente todo mundo “off”, desligado. Distantes. Aliás, há muito algo vinha estranho. Desarticulações e desalinhamentos mil. Cada um com a sua razão e a sua verdade e pronto. Sem muito desejo de tolerar ou mesmo de construir consensos. Tudo isso patrocinado ou impulsionado pelo “Tribunal das Mídias Sociais”, que acabou por assumir seu papel de Juiz pra tudo imaginável, do alto do suposto conforto e da paz que lhe caracterizam. Socialmente frágeis portanto. Numa levada de “tocação de vida” total, este é o sentimento.
“Tocação de vida” esta que nos convida à preocupação com o meu umbigo e ao descompromisso com os rumos que pretendemos ditar para as coisas que envolvem o coletivo. “E vamos nessa porque ando sem tempo para muita coisa”, “Nossa, meu trabalho tá me consumindo”, “A gente se encontra”, “Me liga”, dentre outros ditos e não ditos de gente que parece ligada no automático, que fazia um monte de coisas ao mesmo tempo e que andava vendo a vida passar assim tão rápido que nem se dava conta de que passou um, dois ou três anos. E daí vem o vírus. O surto. A epidemia e a pandemia. O “chacoalhão”..
Se a ética é “a inteligência humana a serviço do aperfeiçoamento da convivência” (Clóvis de Barros Filho), pode-se inferir que tal prática fere a ética em tese. O anti-ético pensa somente em si, julga-se autossuficiente, fere a convivência ao bancar a canalhice e seus desejos pessoais, ignora a dimensão humana do ser gregário, das potências que tem em si, do diálogo como o caminho para a recriação, das possibilidades do convívio diferente, bem como das oportunidades incríveis que acabou de perder no contato com o outro..
Talvez leve tempo, mas precisamos ampliar o olhar para compreender o que há de bom por trás disso tudo. Difícil observar isto no curto prazo sim em meio ao ineditismo que isso tudo confere pra muitos de nós. O debate sobre histeria X isolamento ilustra bem as dificuldades que o momento conspira. Aliás, o mais recente debate sobre o isolamento físico X retomada das atividades, impulsionado pela fala do Presidente da nossa Nação em Rede Nacional no dia de ontem (24/03/2020), tensionou as relações e trouxe à tona outras questões importantes. Será mesmo o isolamento físico a única forma de evitar a disseminação do Coronavírus no Brasil? Até quando permaneceremos confinados assim? O que objetivamente nos tirará desta condição? Mas e o trabalho e a economia, como ficam? “Juram por Deus” que não há mesmo qualquer outra alternativa ou solução plausível para enfrentar isto tudo de outro jeito? Não reunimos mesmo condição para dialogar sobre estes outros possíveis modos de reagir a luz das circunstâncias que a pandemia nos traz?
A história mostra que sempre houve algo de bom por trás dos momentos mais dolorosos que a Sociedade já viveu. Martin Luther King nos deixou este legado. Nelson Mandela também. Madre Teresa de Calcutá então nem se fala. Há de ter algo de bom que o Coronavírus tenha nos trazido. Terrível dizer pelas vidas que se foram e ainda irão, mas eu acredito que possa ter sido este o verdadeiro chacoalhão que a nossa Sociedade precisava. Esperamos aproveitá-lo. Saibamos aproveitá-lo. Cenas dos próximos capítulos..
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[1] Erico Vasconcelos é cirurgião-dentista, estomatologista, especialista em Terapia Comunitária, em liderança e desenvolvimento gerencial de organizações de saúde e com MBA em gestão de pessoas. É apaixonado pelos desafios da gestão dos serviços de saúde. Há 15 anos atua na gestão da Atenção Básica, do SUS, na Segurança e Qualidade e na Gestão Estratégica de Pessoas. Foi gestor de saúde de diversas organizações privadas e municípios. Recentemente atuou no governo federal elaborando políticas e desenvolvendo ações de apoio e educação. Desde 2005 atua na formação em serviço de gestores e profissionais de saúde pelo Brasil afora. Trabalhou como Tutor e Coordenador de Cursos na EaD da ENSP, UnASUS-UNIFESP e na UFF. Foi Professor de Saúde Coletiva da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) e em outros cursos de várias Universidades. Fundou a UniverSaúde em 2017, uma startup de educação para a Saúde. Já trabalhou em mais 30 organizações e hoje atua em diversos projetos potentes com organizações públicas e privadas.
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